Thursday, May 11, 2006

A "Intelligence" na Construção Europeia


1. Há dias, foi comemorado por toda a Europa - Portugal inclusive - mais um 9 de Maio, o tão designado "Dia da Europa". Foi neste dia, para quem não sabe, que em 1950 o então Ministro dos Estrangeiros francês presenteou o Velho Continente com os seus abjectos dotes de oralidade, aquilo que ficaria escrito para a história como a "Declaração Schuman".
Tão escasso era o seu dom de oratória, que só algumas semanas mais tarde se viria a perceber que o conteúdo da sua declaração - integralmente escrita por Jean Monnet - era uma bomba, anunciando a intenção francesa de constituir uma Comunidade do Carvão e do Aço, pondo sob a direcção de uma Alta-Autoridade designada pelos estados, toda a produção destas duas matérias-primas. Foi o arranque em força do eixo franco-alemão, e da dinâmica da construção europeia.
O conteúdo do discurso de 9 de Maio era de facto belíssimo, e quase profético: "A Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-à por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto. A união das nações europeias exige que seja eliminada a secular oposição entre a França e a Alemanha."
Esta adaptação literária das teorias funcionalistas, com o seu conceito de spill-over, que ganhavam bastantes adeptos entre a tecnocracia europeia, como era o caso de Monnet, contrastava fortemente com um memorando secreto da diplomacia francesa, redigido uma semana antes e apenas revelado em 1978. Aí não eram os aspectos economico-técnicos nem morais que vinham ao de cima, mas antes as high-politics puras e duras da Guerra Fria, que se vivia então no sentido original da palavra: uma situação de movimentações militares exercidas de cada um dos lados da cortina de ferro, sem o mínimo contacto diplomático. Situação esta que só se aplacaria em 1955, quando as duas grandes potências, mais França e Reino Unido se sentam à mesa em Genebra. "Na verdade, nós já estamos em guerra", assim rezava o tal memorando que também sugeria que fosse criada uma CECA, afim de se poder proceder ao rearmamento alemão, para que por sua vez a Europa Ocidental pudesse conter uma eventual invasão soviética.
A construção europeia não foi filha de uma vontade de reconciliação, como pregam os euro-ingénuos. Foi filha do medo de um montro emergente a Leste, que desapareceu no limiar da década de 90

2. Robert Schuman, alsaciano de gema, era democrata-cristão, tal como o chanceler da RFA Konrad Adenauer, e membro supra-numerário do Opus Dei, organização que até hoje casa melhor um catolicismo fervoroso e tradicionalista com a tecnocracia mais descomplexada. Tal como ainda será hoje Otto de Habsbourg, o ainda hoje herdeiro da coroa do Império Austro-Húngaro, membro do parlamento europeu, e fundador do Movimento Europeu, que nos anos 50 foi financiado pela CIA para promover a construção europeia para fins anti-soviéticos. Habsbourg seria também um dos três elementos da cúpula do Círculo Pinay, clube internacional de contacto entre diferentes personalidades de topo dos meios militares e da intelligence europeia, tendo por base comum um ultra-conservadorismo e um anti-comunismo assaz assertivos. Às diversas reuniões desse clube que tiveram lugar ao longo de décadas, esteve por exemplo, o general António de Spínola. O objectivo era simples: a realização de acções de spin afim de evitar a proliferação de ideologias esquerdistas pela Europa Ocidental.
Na verdade, a intelligence e o lobbying, mais do que toda a verborreia tecnocrata que ainda grassa no discurso oficial sobre a Europa, esteve na base de um projecto de elites que foi a construção europeia. Foi em grande medida, para além dos sonhadores sinceros que também tiveram o seu papel inegável, o resultado de lóbis estruturados e discretos, não só como a CIA, mas também como o Opus Dei, ainda hoje uma super-potência da intelligence económica e estratégica com as suas mais de 100 000 pessoas colocadas em lugares-chave da economia, da política e da comunidade intelectual na Europa: quase 500 universidades, mais de 600 jornais e revistas, mais de 50 redes de rádio e televisão, etc..

Desde sempre, e cada vez mais nos dias de hoje da "sociedade em rede", vence na Europa quem souber estruturar as suas redes de informação e de influência. A história está aí para o comprovar.

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