Monday, April 17, 2006

Duas OPA's, duas Filosofias

(In Notícias da Portela, hoje)

Há muito pouco tempo foi lançado um livro de dois jornalistas portugueses sobre a vida e a obra de Peter Drucker, o pai fundador da Gestão moderna. Curioso foi este livro ter surgido durante esta febre das OPA’s que nos tem assaltado desde o princípio do ano na Europa, inclusivamente em Portugal. isto porque aquele eminente guru, hoje com mais de 90 anos mas ainda em plena vida activa, sempre sustentou esta controversa ideia sobre fusões e aquisições entre empresas: “Não são solução. Fazem algum sentido se as entendermos como puramente defensivas em indústrias e sectores em declínio acelerado.” Nesta lógica, as empresas “opam” porque sentem que já não são capazes de continuar a crescer por si sós. Que já não conseguem obter novas mais-valias e defenderam-se da concorrência de outras formas. Para Drucker, as OPA’s são expedientes velhos, aos quais recorre quem carece de imaginação.

Penso que importa, não obstante, estabelecer algumas nuances. As recentes OPA’s portuguesas – da Sonae à PT e do BCP ao BPI – que tantas almas têm sacudido durante os últimos meses, não mais representam que uma gota num oceano de fusões e aquisições por essa Europa fora. Estas últimas são transfronteiriças, envolvem relações entre governos, e já ultrapassaram um volume de negócios superior a um trilião de euros. As nossas, cá entre Badajoz e o Cabo da Roca, assustam. E assustam porque anunciam uma mudança irreversível, a qual a mentalidade feudal e conservadora dos portugueses teima em recusar:. Essa mudança consiste numa cavalgada tão inexorável quanto descomplexada para uma verdadeira economia de mercado “à americana”. Uma economia onde o sobrevivente é aquele que tem as armas necessárias para fazer face a um clima altamente agressivo e hostil, onde já não será mais necessário “pedir licença” nem a governos nem a concorrentes para realizar verdadeiros ataques, sejam eles de natureza material (como alianças e fusões estratégicas, ou ofertas de aquisição hostis), ou de natureza informacional (ataques directos ou indirectos à imagem pública da concorrência).

Este caminho inevitável comportará uma série de inconvenientes. Por exemplo, custa a perceber que poderão ganhar os consumidores com a concentração da banca, mesmo se criando um ou dois “campeões nacionais” aptos a competir com os gigantes espanhóis como o Santander e o BBVA, que também cada vez mais assumem a sua veia predatória. Isto porque se a banca portuguesa tem funcionado em contra-ciclo com a economia nacional, isso não se deverá tanto a competências intangíveis, como ao aproveitamento da miserável situação do mercado imobiliário português, onde as rendas médias nas grandes zonas urbanas são superiores ao salário mínimo nacional, graças ao congelamento de muitas rendas que data desde os tempos de Salazar, que favorece a especulação. Assim, a banca nacional lucra a partir do endividamento excessivo e desregrado dos portugueses: tanto na compra de habitação como noutros consumos menos duráveis. Ao mesmo tempo, retrai-se em financiar projectos de jovens empresários. A expressão utilizada há cerca de um ano pelo então presidente Sampaio, para definir o comportamento geral da banca portuguesa foi concisa: “um embuste!”

Já a OPA da Sonae sobre a PT demonstra um espírito, arrisco dizê-lo, quase oposto. A maioria da actividade da Sonae SGPS não se refere às telecomunicações e a empresa do grupo que o faz – a Optimus de Paulo de Azevedo – representa a talvez mais vanguardista e captadora de tendências das empresas de telefonia móvel do mercado português. Um Belmiro em idade dita “de reforma” decide lançar uma operação sobre uma empresa quase cinco vezes mais valiosa que a Sonae, sem nenhum apoio de parceiros estrangeiros (como supostamente pretende Paes do Amaral, da Media Capital), unicamente contando com o apoio financeiro do Santander de Botín. Belmiro, que construiu o seu império já após o 25 de Abril, é visto como um outsider pela aristocracia empresarial portuguesa, um misto de “provinciano” de Marco de Canaveses com “estrangeirado” de Harvard. Assim, o provinciano-estrangeirado decidiu mostrar a sua face revolucionária e atacar-se a uma empresa que justifica há décadas com o seu estatuto de “empresa símbolo de Portugal” a exploração do consumidor português através do seu monopólio de facto e da sua concorrência desleal. E por isto é a PT mais a sua “golden share” do governo crescentemente acossada pelos tecno-burocratas de Bruxelas.

O lado positivo da emergência deste capitalismo deliberadamente agressivo encontra a sua expressão concreta na queda de executivos como Miguel Horta e Costa, recentemente afastado pelo Conselho de Administração da PT por alegar poder oferecer três milhões de euros aos accionistas até 2008, após declarar a OPA hostil. O conservadorismo do ex-presidente da PT, devidamente reflectido pelo sindicato da mesma empresa, é típico do género de executivo português que aprecia mais o poder do que o dinheiro. É corrente entre os meios empresariais portugueses a ideia de que o dito senhor nunca entendeu nada de gestão, mas que subiu na carreira à conta do seu estatuto social e do seu “saber estar”. O que sempre se contrapôs ao estilo “intelectual do Bronx” de Belmiro, progressivamente amainado por influência da personalidade mais discreta do seu futuro sucessor.

Com efeito, as realidades cruas do novo capitalismo agressivo já não são coniventes com este tipo de maquilhagens sociais que fazem as delícias de especialistas em etiqueta como Paula Bobone, e os lucros de publicitários de governos “do coração” como o se supôs o de António Guterres. Num futuro próximo, a ética e as boas maneiras deverão coexistir com um espírito empreendedor, assertivo e mais tolerante à ideia de instabilidade. Caso contrário, será um salve-se quem puder numa terra sem lei, uma verdadeira república das bananas, onde tudo vingará menos o mérito. Não tivesse sido o próprio Drucker a afirmar que em toda a história, a regra sempre foram os períodos de turbulência. Desengane-se que pensa que no futuro será normal ter uma posição garantida para a vida. Os períodos de acalmia sempre foram e cada vez mais serão a excepção.

Tuesday, April 11, 2006

"E-Rumor": nova arma das empresas portuguesas



Há dias recebi uma chain letter no meu Outlook intitulada “POWERLINE (PLC) - Mais uma desgraça para a humanidade”, assinada por um tal “Eng. Augusto Albuquerque” que, entre outras coisas acusava a tecnologia Powerline (PLC) de contribuir seriamente para o cancro, justificando devidamente com uma série de indícios técnicos tão alarmantes convicções. Aconselhava o mesmo mail que se passasse a mensagem e que se continuasse a dar preferência ao ADSL, a fim de matar no ovo tão tenebrosa conspiração orquestrada pela ONI e pela sua principal accionista, a EDP. Um dos últimos utilizadores de email da cadeia apenas acrescentara ao enviá-lo para a sua mailing list: será verdade?

Pouco depois, descobri este blogue: http://www.powerline.blogspot.com/, realizado pela equipa técnica da Powerline, rebatendo um por um os argumentos daquele mail, fazendo inclusivamente referência a resoluções oficiais das instituições comunitárias competentes desmentindo qualquer risco desta tecnologia de Internet emergente, que permite a provisão de telefone e Internet unicamente pela corrente eléctrica, e que está em fase experimental em algumas zonas do país, como Telheiras.

Entretanto, vim a saber que a Via Verde também fora vítima há um ou dois meses atrás deste mesmo expediente de boatos via Internet, acusando aquela empresa de práticas fraudulentas na gestão comercial com os seus clientes. Também o boato teve a impacto suficiente para que a Via Verde publicasse no seu site, a 24 de Fevereiro, um desmentido, e advertindo que “irá proceder judicialmente contra os autores deste boato anónimo e difamatório e contra quem promover a sua difusão.” (É motivo para perguntar se futuramente seremos vítimas de violação de correspondência electrónica, ou algo semelhante. Juristas da Comunicação, que me dizeis sobre o tal assunto?).

Em todo o caso, está visto que o rumor via Internet constitui uma arma crescentemente relevante no campo de batalha empresarial em Portugal. As empresas não lhes podem ser indiferentes, e essa impossibilidade de indiferença representa novos custos, e se estes continuarem a crescer podem significar uma nova área de negócio a despontar: a gestão do risco informacional, a protecção contra ataques de natureza informacional, dirigidos contra reputações. Numa sociedade em rede, o spin do mundo da política, assim como a contra-informação, do mundo militar e da intelligence, passam cada vez mais para o mundo das empresas, numa época em que o desenvolvimento das telecomunicações galopa freneticamente.

Isto porque o fenómeno dos rumores via Internet não são passíveis de gozar necessariamente de um crescimento exponencial, como demonstra nos seus trabalhos o eminente especialista na matéria, Pascal Froissard, que afirma convictamente ser o feómenos dos rumores uma construção social, historicamente desenvolvida, e não um dado natural da vida em sociedade. A demonstrá-lo, o autor chama a atenção para a evolução durante os anos 90 da relação entre o número de sites de rumores e o número total de sites na web. Enquanto o segundo tipo prossegue o seu crescimento exponencial, o primeiro demonstra sinais de estagnação. Para este efeito, alega Froissard, muito contribuiu o esforço, muitas vezes gratuito, de sites “anti-rumor”, como é o caso ilustrativo do hoaxbuster.com, entre muitos outros

Este novo fenómeno emergente está para o mundo empresarial como o fenómeno do terrorismo global esteve para a política internacional, na medida que que este alterou radicalmente o modo de fazer a guerra pelos Estados. Assim também esta nova “guerrilha da informação” vem trazer o mesmo tipo de problemas às empresas num ambiente de capitalismo cada vez mais hostil. Qual a proveniência dos ataques? Serão organizados, ou acidentais? Qual é o rosto destas novas ameaças, e como impedir a sua propagação quando cada vez mais pessoas acedem à Internet?

No caso da difamação da Powerline (como aliás, no da Via Verde), é impossível saber a origem. Mas é óbvio que se trata de um ataque contra a ameaça de uma tecnologia de Internet que actualmente favorece única e exclusivamente quem for participado pela eléctrica portuguesa – a EDP - que, por sua vez, ainda desfruta de um quase monopólio no mercado português, sobretudo junto aos grandes centros urbanos do litoral, que albergam mais de metade da população portuguesa. A empresa beneficiada com a introdução do Powerline no mercado das telecomunicações é obviamente a ONI, e os sócios da EDP (sobretudo o Millenium bcp). O maior perdedor é a PT, que espera assim que o Mibel se torne uma realidade o mais brevemente possível, antes que a nova tecnologia que garante entre 1MB e 2MB de upload passe da fase experimental para a venda em massa.

Monday, April 10, 2006

A guerra estala no sector das auto-estradas!

Numa altura em que a Brisa rejubila com um novo máximo histórico do valor das suas acções, esta pequena jóia da família Mello, que actua num dos poucos sectores em que Portugal exporta inovação (a concessão de auto-estradas), acaba de fazer história: é a primeira vez NA EUROPA que uma concessionária é impedida por uma Autoridade da Concorrência de proceder a uma aquisição de acções de uma concorrente, e que esta interpõe recurso ao Ministério da Economia contra tal decisão.

Esta situação tão inédita quanto bizarra só poderia acontecer num país com duas auto-estradas “repetidas” , com o mesmo circuito, como a A1 (da Brisa) e a A8 (das Auto-Estradas do Atlântico). Ora querendo a Brisa aumentar a sua participação de 10% para 50% na sua concorrente, certamente quererá ter o monopólio sobre as duas auto-estradas. Dando o seu parecer negativo, a instituição dirigida por Abel Mateus demonstrar querer fazer brotar um novo conceito de auto-estradas concorrentes. Portugal torna-se assim um inovador saudosista nesta matéria, invocando sem querer as linhas de ferro repetidas que foram sendo geradas em Inglaterra devido ao facto do sector ferroviário sempre ter sido privado.

É motivo para se afirmar com alguma segurança: já que se optou pela via tão inovadora quanto duvidosa das concessões de infra-estruturas rodoviárias (que potenciou um presidente português na associação europeia das concessionárias), que o princípio dos benefícios da “mão invisível” sejam levados até ao fim.

E que tal um novo Fim da História?


Quando esteve eminente a guerra no Iraque, os execrados realistas políticos eram quase tão execrados como os fervorosos neo-cons. O mais comum dos mortais, aliás, nem os distinguia: não tinham princípios, eram belicistas, ponto final. Acontece que os realistas políticos, sob a égide de pensadores cínicos como Kissinger (só para citar um clássico recente), foram dos primeiros a contestar a guerra contra Saddam, alegando que a história dos últimos 30 anos demonstrava que aquele odiado ser era passível de “contained”. Ninguém parace ter prestado atenção a isto: pior que os neo-cons e os apologistas dos falcões do pentágono, eram estes “homens sem princípios nem ideologia”, herdeiros de um pensamento “ultrapassado” datado da Europa do século XIX e do sistema bipolar da guerra fria.

Durante a década de 90, o excessivo dinamismo da globalização fez muitos pensar que as ideologias tinham conhecido o seu termo na história (Fukuyama). O 11 de Setembro veio pôr água na fervura dos saudosistas da ideologia, e as diferenças entre esquerda e direita ganharm um novo fulgor com as fissuras causadas pela guerra do Iraque, entre os “a favor” e os “contra”. Agora, que o preço do petróleo corre em direcção aos 80 dólares por barril, e as economias europeias e americana sofrem os consequentes efeitos, eis que verificamos um desejo premente das pessoas pela “não-ideologia”, e pela “economia pura”. Em Portugal, isso começou com a derrota do “filósofo” Manuel Maria Carrilho na corrida para a câmara de Lisboa contra o “técnico” Carmona Rodrigues, prosseguiu com a cavalgada reformista de pendor direitista do governo Sócrates e brilhou com a vitória histórica do tecnocrata Cavaco Silva.

Na América, por seu lado já se vão percebendo as diferenças entre os realistas políticos e os neo-cons. Redescobre-se uma das permissas fundamentais sempre olvidadas do realismo político em Relações Internacionais: a paz… pelo equilíbrio. Assim, o livro do general Tony Zinni, reformado oficial da Marinha com larga experiência de comando no Médio Oriente e no Sudeste asiático, livro este devidamente anunciado pelo Washington Post, vem também anunciar esta mesma tendência. Cite-se: "The real threats do not come from military forces or violent attacks; they do not come from a nation-state or hostile non-state entity. They do not derive from an ideology (not even from a radical, West-hating, violent brand of Islam). The real new threats come from Instability. Instability and the chaos it generates can spark large and dangerous changes anywhere in the land."

Se tudo corer bem para nós, que nos tornamos cada vez mais conservadores sem o sabermos, (“abaixo a instabilidade do CPE!”, grita a juventude francesa), os próximos 30 anos serão definitivamente os anos dos burocratas obedientes, dos juristas, dos economistas e dos tecnocratas anti-ideológicos. A guerra passará definitivamente a desenrolar-se no plano civil e com outras armas, sem balas, mas com muitos dólares e euros para ajudar à festa.